Os problemas identificados e expostos podem ser encarados de muitas formas e segundo variados critérios, conforme a visão que se adopte e a selecção de soluções e terapias que possam ser aplicadas. Neste Green Paper, não se identificaram todos os problemas, nem em detalhe, nem se analisou extensivamente a multiplicidade de contextos em que se desenvolvem. Também não se apresentam soluções estudadas e prontas para decisão. Não há soluções óptimas, sem prós e contras. Em muitos casos há que testar soluções e políticas. Convêm recordar: este é um documento para abrir um debate.

Existe um conjunto de questões sobre as quais talvez seja necessário tomar decisões, passando muito para além das palavras e assumindo as consequências efetivas nem sempre agradáveis para todos, sendo as principais: a centralidade no cidadão, o processo clínico único, que fazer com a inovação, o que compete ao estado.

A centralidade no cidadão nos sistemas de informação deve ser assumida?

 A estratégia do governo consagra o “princípio da centralidade no cidadão”. O que implica?

Os cidadãos são os principais interessados e beneficiários no sistema de saúde, e a sua exclusiva razão de ser. Parece dever ser estes, como elemento mais importante, a estar no centro dos respectivos sistemas e tecnologias de informação. Será esta posição nuclear uma base inquestionável de partida?

Outras realidades existem. Não foi por aí que se veio nem é por aí que se caminha, com clareza, na maior parte dos casos. A realidade histórica do desenvolvimento destes sistemas e tecnologias fez com que, em grande parte, se tenha chegado a uma situação em que o que é central são as tecnologias em si mesmas, ou então outras partes interessadas ou intervenientes, com diferentes necessidades, interesses, posicionamentos ou capacidades de influência.

Os sistemas de informação desenvolveram-se inicialmente para obter melhor gestão administrativa e financeira, e depois foram evoluindo para satisfazer outras funções de natureza produtiva, de gestão clínica, abrangendo esferas de actividade de natureza cada vez mais complexa, suportados hoje por tecnologias sempre mais sofisticadas como os sistemas de suporte à decisão, a inteligência de negócio, a análise de padrões em conjuntos massivos de dados.

Cada um dos intervenientes no sistema de saúde desenvolveu diferentes necessidades e abordagens de extração e utilização de informação, com posicionamentos e interesses muito diversos. E todos os dias novas necessidades e interesses na utilização aparecem e se desenvolvem.

Mas onde está a vantagem de considerar o cidadão o centro? Ou o problema de não o considerar?

É que à medida que diversos sistemas se desenvolvem e se assiste a explosivos desenvolvimentos de aplicações e tratamento de dados geradores de valor de per si, torna-se patente que o verdadeiro retorno de valor resulta da integração de sistemas e do aproveitamento integrado da informação.

Ora isto implica conciliar os diversos interesses de modo a que todos beneficiem da integração, e tal só é possível tomando como base dos sistemas a razão última de ser das actividades: os cidadãos em geral e em particular os cidadãos doentes ou que sejam objeto dos mais variados cuidados, entre os quais os preventivos.

Significa esta nova centralidade uma reorientação do foco dos sistemas?

Poderá ser o “Processo Clínico Único” a base para esta reorientação? 

Será consensual? Deverá a  melhoria da relação médico / doente ser o critério fundamental para as opções necessárias?

Esta é uma questão importantíssima, em que a classe médica tem uma palavra essencial, que não deve ser deixada ao acaso. 

Encontrámos opiniões no sentido de que a PDS-Plataforma de Dados em Saúde não é uma base adequada nem tem condições para evoluir para um processo clínico único.

O que deve constar no Processo Clínico, para que fins se acede, como se acede, quem acede e em que condições, entre muitas outras questões, necessitam respostas claras. A relação médico/doente é fundamental e deve ser fortalecida. Possivelmente não se terá de inventar a roda. Bastará olhar para o que de melhor já se faz, adaptar e introduzir. É um domínio onde poderão ser perigosas as originalidades. O que não significa que não possa ser deixado suficiente espaço para a criatividade e o desenvolvimento.

Como conciliar os interesses dos utilizadores?

Os utilizadores não são apenas os médicos. Outras classes profissionais interagem com os cuidados de saúde. Da sua adesão e participação interessada pode depender, muitas vezes, o sucesso dos projectos e os resultados clínicos.

Os seus interesses pessoais e profissionais, têm que ser tidos em conta, e têm de sentir a valorização e a potenciação da sua acção profissional.

Mas os cidadãos e os doentes são também utilizadores, e importantes.

Uma conciliação de interesses, às vezes divergentes, algumas vezes conflituantes, é absolutamente necessária.

Que fazer com a inovação?

Vivemos o século do conhecimento e o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação é um dos factores mais marcantes do mundo actual. Em todos os domínios. E não é só marcante, é absolutamente estonteante a velocidade a que as tecnologias e a sua utilização evoluem. Passa-se da vantagem competitiva à obsolescência num abrir e fechar de olhos.

Gigantes mundiais dominam muitas áreas deste desenvolvimento, mas nem para estes está garantida permanência de sucesso. Todos os dias nascem e morrem milhares de soluções, milhares de aplicações, e milhares de utilizações. É um mundo cheio de oportunidades também para os pequenos.

Então a saúde deverá estar cativa de soluções e sistemas, ou deverá estar aberta? Será que um único operador pode assegurar a permanente evolução de todas as soluções?

Ou muitos dos sistemas e soluções que se encontram por esse mundo fora estão a caminho de se tornarem soluções consolidadas, e se podem encontrar boas soluções a bom preço, e com bom serviço?

Faz sentido termos um país fortemente digital e favorecer soluções de base nacional num quadro europeu e mundial onde valha a pena competir? Alguém pensa que é possível ou interessante competir sem inovação?

O que compete ao Estado?

Ao Estado, num quadro europeu, compete obrigatoriamente assegurar a existência de um quadro regulamentar e normativo para protecção de todo o sistema, e dos princípios que o norteiam.

E o Estado, no cumprimento do seu papel, deve garanti-lo com independência das diferentes partes interessadas e intervenientes no sistema. Mas aquilo que é fácil de expor, nem sempre é fácil de concretizar, como verificamos na estratégia! 

Mas existem ainda outras questões relativamente às competências do Estado.

O Estado, por razões históricas, tem também o papel de fornecedor de sistemas e tecnologias de informação, e embora não se assumindo nem se reconhecendo como tal, tem um carácter dominante de facto.

É necessário refletir: então que papel deve ter o sector público produtor e fornecedor de sistemas de informação? Deve ser protegido ou deve competir?

A existência de um conjunto de empresas públicas e privadas fornecedoras de sistemas de informação na saúde deve ser estimulada para fomentar a concorrência? Se deve haver proteção, devem ser protegidas as públicas por oposição às privadas? E as nacionais, públicas ou privadas, por oposição às europeias, ou às multinacionais?

É possível a protecção? E é desejável? Em que condições e para garantir o quê? 

Deve a produção e desenvolvimento de sistemas de informação para a saúde estar confinada a entidades públicas? E a uma única, ou várias? Deve constituir um monopólio?

Muitos argumentos se podem aduzir a favor da via protecionista, por teoricamente mais barata (o que além disso carece de demonstração), e a favor do primado do setor público, única forma para a preservação e consecução do interesse público. Será isso assim?

O que aparentemente é mais barato, não terá muitos custos ocultos? Então a concorrência será nefasta para os bons resultados económicos?

E a concorrência e a liberdade de empreender, serão nefastas para a garantia do interesse público? Os doentes podem circular no espaço europeu, mas os sistemas de informação não? Os doentes podem circular entre o público, o social e o privado, mas a sua informação não?

A espiral protecionista leva inevitavelmente que todos se protejam cada vez mais, e no limite ao fim do mercado. Será lógico querermos que os outros comprem os nossos produtos afastando a possibilidade de por sua vez eles nos venderem os seus?

É possível no quadro legal de defesa da livre concorrência a via protecionista? Não poderá o Estado ser objeto de sanções por a permitir?

Em última análise: Quais são os riscos das soluções de mercado fechadas e os riscos das soluções de mercado abertas? E que riscos estamos dispostos a tomar e quais valerá a pena assumir?

Entre a abertura e o fecho, muitas combinações harmoniosas e possíveis podem provavelmente ser encontradas.

Quanto aos riscos a assumir, não poderão hoje ser uns e amanhã outros?