É importante a definição duma Estratégia. Mas, seja ela qual for, será possível implementar medidas de melhoria, sem serem considerados dois pilares fundamentais: o modelo de governação e o modelo de financiamento? Há outras opções?

Estamos numa situação delicada, de grande insatisfação quanto aos sistemas de informação e de elevados riscos, e também num ambiente de recursos escassos em quantidade e em qualidade.

Opções são necessárias e consenso não pode faltar.

Modelo de Governação, porquê? O que temos não é bom?

É essencial que todos se ponham de acordo, que todos naturalmente exprimam os seus interesses legítimos, os conflitos de interesse sejam dirimidos, os interesses sociais e privados respeitados e o interesse público garantido.

Não deverá qualquer modelo de governação assegurar o princípio da independência, para que nenhum interesse se sobreponha sem razão justificada a outro qualquer? Ou a segregação dos interesses conflituantes, para que não se verifique conflito de interesses? Que as decisões são sustentáveis e que são tomadas legalmente de modo a produzir eficácia jurídica? Que todos são abrangidos e tratados de modo igual? Que os interesses de todas as partes e de todos os intervenientes, são adequadamente harmonizados, com participação orgânica formal de todos?

Que os processos organizacionais suportados pelos sistemas sejam conhecidos, devidamente identificados e documentados, de modo a que todos os elementos relevantes se possam relacionar? Assegurar que os diversos sistemas seguem normas, assegurar que a informação pode fluir de arquitectura para arquitectura, e verificar se são cumpridos os requisitos?

A quem deve competir afinal o governo dos Sistemas de informação? A um órgão do Ministério, seja a ACSS, a DGS, a SPMS ou outro qualquer organismo? Se garantir independência, pode ser qualquer um? Ou não?

O governo publicou muito recentemente através de despacho um “modelo de governança e gestão”. É bom? É necessário avaliar. 

Será que o modelo tem capacidade para assegurar aquilo que é essencial e que ele mesmo se propõe realizar e atingir?

Vejamos: o alinhamento dos objetivos e estratégias com as necessidades das entidades e o envolvimento destas nas políticas e iniciativas definidas é garantido por uma Comissão de Acompanhamento, que detém a autoridade executiva, avalia o interesse público e as necessidades de todos, aprova objetivos estratégicos e metas, dirige e controla a implementação, manutenção e melhoria.

Esta autoridade são apenas quatro pessoas, que reúnem semestralmente, e além da formalidade restrita que lhes confere o despacho, não possuem meios próprios nem instrumentos para exercer a autoridade, nem está definido o processo decisório. Em caso de não se entenderem, como deliberarão?  E são quem? O presidente de um instituto público, a ACSS, o presidente de uma empresa pública a SPMS,  um diretor-geral, o da Saúde, e um representante do Senhor Ministro da Saúde. A final, as mesmas entidades que já carregam sobre os seus ombros a responsabilidade dos sistemas de informação. Será que duas reuniões anuais mais vão resolver os problemas que ao longo dos últimos anos não foram resolvidos?

Não se percebe se a ACSS vai deixar de ter um contrato programa com a SPMS, sua fornecedora, ou se a DGS também vai deixar de ser um cliente da SPMS. Poderão resultar num imbróglio jurídico, as deliberações desta autoridade executiva. A única novidade é que esta autoridade em tudo na sua atividade vai depender da iniciativa e dos serviços da SPMS. Será a autonomia desta Comissão uma realidade? Ou próprio nome já deixará antever que a sua autoridade será mais que limitada, restringindo-se a um acompanhamento, que nem sequer poderá ser considerado uma fiscalização? Como poderá alinhar objetivos e estratégias?

É que o verdadeiro faz tudo, a verdadeira autoridade por acção ou omissão está cometida a uma empresa pública, a SPMS, sob outro nome o de CeSIS Coordenação do eSIS. Empresa que é responsável pela gestão de portfólio de iniciativas incluindo a monitorização dos seus indicadores. Existirão riscos pelo facto de se monitorizar a si própria? E existirão riscos por, apenas por si própria e sem a intervenção de mais nenhuma entidade, construir e divulgar o plano de comunicação e, mais importante e do mesmo modo, definir uma arquitetura de referência dos Sistemas de Informação de Saúde?.

Vejamos ainda mais: como emitirão opinião todas as outras partes interessadas, e bastante interessadas, porque todas as decisões impactam profundamente a sua atividade? Um conselho de dez pessoas reunirá semestralmente, a custas suas, para dar opinião e fazer recomendações a uma empresa pública a SPMS, a pedido desta, em tudo dependendo desta, limitando-se a poder recolher informação através de estudos e inquéritos que venham a considerar pertinentes, mas que a SPMS aceite apoiar. E quem são? Representantes da Ordem dos Médicos, dos Enfermeiros, dos Farmacêuticos, dos Médicos Dentistas, dos Psicólogos, dos Nutricionistas, de Associações de Doentes, da Associação Nacional de Farmácias, da Associação de Farmácias de Portugal, de Associações de Gestores ou Administradores da área da saúde ou outros profissionais, e ainda de entidades cujos contributos venham a ser considerados relevantes. Porquê estes? Parece uma escolha equilibrada? Será que para recolher informação e dar opinião não haverá outros processos mais expeditos do que este conselho consultivo, que não tem quaisquer atribuições formais nem processo de expressão com qualquer eficácia jurídica, nem qualquer possibilidade de resolver as suas eventuais divergências de interesses?

Quem reunirá com mais frequência, de três em três meses, para o alinhamento de expectativas das entidades entre si, com logística e preparação de agenda por parte da SPMS, umas centenas de pessoas constituídas em Fórum, num quadro jurídico totalmente informal, e também a expensas suas. Constituem este Fórum, um representante e um suplente designados por cada entidade do Ministério da Saúde, e representantes, como aderentes, de entidades prestadoras de cuidados de saúde dos setores privado e social, se assim pretenderem. Como poderão ser alinhadas expectativas? Será que para alinhar as expectativas das entidades entre si, uma reunião de umas centenas de pessoas de três em três meses, será o processo mais adequado? Existirá alguma metodologia organizada, ou será uma mera sessão de esclarecimento? Com que formalidade elaborarão um regulamento interno? Terão alguma coisa para regular? Terão poderes para se auto regularem?

A este esquema organizativo, com poucos ou nenhuns poderes, junta-se outro órgão ainda mais informal, os Grupos de Trabalho de nascimento e morte frequente, ficando claro que os membros integrantes dos grupos de trabalho, mesmo quando externos ao Ministério da Saúde, não auferem remuneração. Poderemos falar de conflito de interesses quando peritos prestam uma colaboração profissional a uma empresa sem por isso serem devidamente remunerados? 

Outros órgãos, também totalmente informais, as CLIC’s Comissões Locais de Informatização Clínica, integradas em cada instituição do Ministério da Saúde ou entidades voluntárias do setor privado ou social, são responsáveis por verificar que as iniciativas das instituições estão alinhadas com a respetiva a estratégia. Como podem órgãos totalmente informais, quando nem o modo de designação nem o respetivo estatuto jurídico estão especificados, garantir que iniciativas estão alinhadas com estratégias das instituições?

A parte verdadeiramente operacional do Modelo de Governança e Gestão dos Sistemas de Informação da Saúde, encontra-se no final do despacho. Consiste em que todas as entidades do Ministério da Saúde devem adotar o modelo centralizado de gestão de portfólio de programas, projetos e serviços TIC e orçamento TIC consolidado, de acordo com orientações a divulgar pela SPMS. E em que todas devem e entregar anualmente à SPMS o plano de atividades “incorporando iniciativas, metas e orçamento”, que a SPMS, sem mais, consolida com critérios próprios num plano e orçamento que remete,  para aprovação pelo Gabinete do Senhor Ministro da Saúde. 

A segregação entre a decisão estratégica e a execução, entre as decisões de planeamento e a sua implementação, é um princípio observado e assegurado neste modelo? Ou a segregação entre a regulação e os regulados?

São neste Modelo de Governança e Gestão enumerados seis grandes princípios orientadores: “Responsabilidade”, “Satisfação das necessidades atuais e futuras”, “Desempenho”, “Conformidade”, “Racionalidade e Transparência” e “Fatores humanos”.

São bons princípios, mas são tão genéricos que podem ser aplicáveis a qualquer organização. Terão efeitos práticos? 

Um exemplo, afirma-se: “Todos aqueles que têm responsabilidade por atividades, também têm autoridade para realização dessas atividades”. Qual será o sentido jurídico desta afirmação e as suas consequências práticas?

Verificámos que existe um consenso no sentido de que o modo como têm sido governados os sistemas de informação apresenta grandes deficiências, daí decorrendo, em cascata, muitas das anomalias de que todos se queixam.

Sendo este novo modelo um esforço do governo para melhorar a situação, será a aplicação deste modelo vai conseguir inverter esse consenso?

Não seria avisado o governo repensar e reavaliar o modelo de governança e gestão? Dar-lhe características que lhe melhorem a formalidade, eficácia, autoridade e capacidade de gerar consensos?

Um Modelo de Financiamento? Porquê?

Podemos desenhar os melhores sistemas de informação, o melhor processo de regulação, a melhor estratégia de desenvolvimento. Nada deixará as boas intenções, se não for acompanhado do respetivo envelope financeiro.

Como o próprio governo reconhece na Estratégia que definiu, é necessário um “quadro de acompanhamento aprovado e orçamentado”.

É preciso encarar os sistemas de informação como um instrumento fundamental da melhoria do sistema de saúde, e dotá-lo de recursos humanos e financeiros suficientes.

E para alocar recursos é necessários transferi-los de uns lados para outros. É necessário tomar decisões de impacto financeiro. Essas decisões necessitarão de transparência na qualidade e nos custos envolvidos? De avaliação de resultados? Está implementada uma cultura de avaliação permanente?

O modelo de financiamento necessita de maior atenção. De muita atenção?

O financiamento centralizado é uma boa coisa, para programas específicos e para ações temporais, e estruturantes. Isso inclui os vários programas de financiamento europeus e nacionais.

Mas será a melhor forma de assegurar a sustentabilidade e de adequar os financiamentos às necessidades diferenciadas e ao retorno de valor esperado e concretizado?

Será necessário encontrar e aceitar fontes de financiamento diversas e descentralizadas? Deverão ser permitidos desenvolvimentos variados dentro do respeito pela estratégia comum? Deverá ser aceite a diferença e o desenvolvimento desigual, garantida a equidade?

Modelos alternativos para o financiamento serão necessários?